Regime Jurídico Único: Conquistas sob Ameaça e o Futuro do Serviço Público no Brasil

Por Jow Oliveira - Diretor de Comunicação SSPMI

O Regime Jurídico Único (RJU), marco legal que regulamenta os direitos e deveres dos servidores públicos civis da União, dos estados e dos municípios, enfrenta um momento decisivo. Em meio a crescentes propostas de flexibilização e reformulações institucionais, o tema voltou ao centro do debate nacional. Durante uma palestra incisiva, o advogado e ex-secretário do Ministério do Planejamento, Luís Fernando Silva, lançou um alerta sobre os riscos reais que ameaçam o modelo atual, apontando retrocessos significativos para o funcionalismo público e, por extensão, para toda a sociedade brasileira.

Instituído pela Lei nº 8.112/1990, o RJU consagrou pilares como estabilidade, ingresso por concurso público, regime previdenciário próprio e proteção contra demissões arbitrárias. Para Silva, esses dispositivos não apenas garantem segurança jurídica aos servidores, como também asseguram impessoalidade, continuidade e qualidade na prestação dos serviços públicos. “O RJU é uma conquista civilizatória. Ele impede o loteamento político da máquina pública e protege o cidadão”, afirmou.

Contudo, segundo o advogado, esses fundamentos estão sob ataque. “Há uma clara movimentação para substituí-lo por modelos precarizados de contratação, como o regime celetista, terceirizações e parcerias com o setor privado, que esvaziam o papel do Estado”, advertiu. Na análise do especialista, essas propostas visam reduzir a presença estatal sob o pretexto de modernização, mas, na prática, promovem desestruturação institucional.

Silva também abordou um tema crucial e frequentemente negligenciado: o impacto previdenciário das mudanças no regime jurídico. Os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que atendem servidores efetivos, estão alicerçados em uma estrutura demográfica que depende diretamente da relação entre ativos e inativos. "A proporção ideal é de três servidores na ativa para cada aposentado. Se essa equação for quebrada, como já ocorre em muitos municípios, o sistema se tornará insustentável. Migrar servidores para o Regime Geral do INSS agravaria a crise, criando um colapso tanto nos RPPS quanto na previdência geral", alertou.

A palestra não deixou de lado a questão política e social da atual conjuntura. Para o palestrante, a flexibilização do RJU integra uma agenda de enfraquecimento do serviço público como política de Estado, que visa transferir responsabilidades para o setor privado e reduzir direitos conquistados por décadas de lutas. Ele ressaltou que a estabilidade, muitas vezes criticada como privilégio, é, na realidade, um instrumento essencial para proteger o servidor da pressão política e assegurar a imparcialidade da administração pública.

Ao final de sua exposição, Luís Fernando Silva fez um contundente apelo à mobilização social: “O fim do RJU não é apenas uma ameaça aos servidores públicos; é uma ameaça à própria sociedade. Com menos estabilidade, menos concurso público e mais contratos precários, a qualidade do serviço público despenca. O prejuízo será coletivo. Defender o RJU é defender a Constituição, o Estado e o cidadão”.

Frente a esse cenário, cresce a urgência de ampliar o debate público sobre os rumos do funcionalismo no Brasil. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2022 apontam que o setor público emprega cerca de 12 milhões de pessoas, sendo 55% sob o RJU. Alterar essa estrutura impactaria diretamente a vida de milhões de brasileiros que dependem diariamente da educação, da saúde, da segurança e de outros serviços públicos essenciais.

A discussão sobre o futuro do Regime Jurídico Único, portanto, transcende a esfera corporativa e se insere no debate sobre o modelo de Estado que a sociedade brasileira deseja para as próximas décadas.